18.3.06

Infância

Sempre me identifico com as histórias, as lembranças e o imaginário de Kledir Ramil.
Achei uma delícia esta crônica, tirada da sua coluna, no Uol:

No meu tempo de guri

Quando eu era crianca, no século passado, os alimentos não tinham prazo de validade. Ou cheiravam bem ou estavam estragados.
Comia-se de tudo. Muito doce, pão com manteiga, bolo de chocolate. Leite, era leite de vaca mesmo, não essa coisa aguada de hoje. Era uma bebida encorpada, cheia de gordura, que vinha em garrafas de vidro, com uma tampinha de alumínio. Ninguém falava em colesterol.
Bebia-se água da torneira e, durante o verão, na praia, até se engolia um pouco de água do mar. Ninguém falava em poluição, coliformes fecais, essas coisas. Não existia protetor solar. O buraco da camada de ozônio ainda não havia nascido, ou era pequeno. Raios ultravioleta a gente só conhecia das experiências de laboratório, nas aulas de ciências.
Não havia vídeo game. Jogava-se botão, víspora, dominó, batalha naval. Os jogos usavam pedrinhas, feijões, palitinhos, saquinhos de arroz... Ou eram brincadeiras de calçada: pula corda, esconde-esconde, amarelinha, peteca... Bambolê, ioiô, pião, bolinha de gude... Não havia perigo. Ninguém vivia em condomínios com grades, guaritas e seguranças. Porteiro eletrônico só se conhecia dos filmes de ficção científica.
A gente andava de carrinho de rolamento, patinete e bicicleta. Eu tinha uma Monark, aro 20, pneu balão, sem freio. Nossos ídolos eram os Beatles e o Topo Giggio.Todo dia, depois de fazer os deveres de casa, eu ia pra rua jogar bola com os amigos. Isso mesmo, jogava-se bola no meio da rua. Quando havia vento, soltava-se pipa, que a gente mesmo fazia, aproveitando lascas de bambu, papel celofane, barbante, goma arábica e uns pedaços de pano velho.
O aparelho mais próximo do celular de que me lembro, era o telefone de lata. Duas latinhas de ervilhas, vazias, amarradas nas pontas de um cordão esticado. A gente ficava ali sentado no meio fio, conversando à distância com os amigos. Ainda não tinham inventado o MSN.
Quando eu ficava doente, me davam um xarope de mel, guaco e agrião. No dia seguinte, já acordava curado. Se a doença era mais grave, tinha que tomar óleo de rícino, um negócio tão horroroso, mas tão horroroso, que usavam até pra misturar na gasolina das lambretas.
Foi então nessa época, pra nossa alegria, que apareceu o Biotônico Fontoura, um fortificante gostoso. Foi meu primeiro porre. Tomei três frascos no gargalo, e fui parar no hospital.
Enfim, como todo guri que se preza, fiz um monte de besteiras, experimentei várias drogas e sobrevivi. A mais perigosa foi o chiclete de bola.
Bebi muita água da torneira e não morri por causa disso. Ou será que já morri e não me dei conta?

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