Nasci cercada de muita ansiedade, porque meus pais tinham perdido a primeira filha de um jeito que até hoje não entendi.
Tive a melhor babá do mundo. Era dela o melhor colo, toda a disponibilidade e todo o carinho... Eu e a Teresa ficamos juntas até os meus 22 anos!! (??!!)
Morei, até os seis anos, um pouco nas Cordilheiras e um pouco em Lavras, na casa dos meus avós maternos. Cresci cercada de adultos por todos os lados. Meus dois irmãos Valério e Pigue nasceram quando eu tinha quatro e cinco anos, respectivamente.
A vinda da Carmen pra nossa casa, quando eu tinha uns sete anos, foi um presente que a vida me deu. Ganhei uma cúmplice! Ela era esperta, ágil, criativa, jogava futebol melhor que todo o time dos meus irmãos! E era cheia de paciência e humildade... Tão linda!
Lembro mais da minha infância depois que fomos morar na casa dos meus pais, recém construída. Tive muita liberdade porque minha mãe não se importava com bagunça e com a casa cheia de crianças. Os dias eram pequenos pra tantas coisas que queríamos fazer. Não assisti TV até os doze anos, quando finalmente Lavras entrou no século 20 e a família inteira se sentava na frente da única TV pra assistir "Irmãos Coragem"!
Mas íamos ao cinema todos os domingos. Era sagrado. (Assisti a Noviça Rebelde oito vezes!)
Tive dois apelidos: Badinha e Dudu. Alguns tios ainda me chamam de Dudu.
Sempre passei férias na casa do meu avô Augusto. Pandorga, horta, andar a cavalo, tomar banho de cachoeira, comer butiá, dançar tango (ele cantarolava: “de um tropeçô, levou la vida...”), ouvir histórias, olhar pro céu, desvendar o céu, entender a vida. Com ele tudo era explicado. O vento no aéreo, a pimenta em conserva, a água que subia “sozinha" até a caixa d'água tão alta, o tempo de plantar e de colher, a germinação, o leite da vaca, o cordeirinho que acabara de nascer, o trajeto do sol, as fases da lua, os satélites artificiais, as noites estreladas, o Cruzeiro do Sul, o binóculo, o termômetro, o medidor da água da chuva, a marcenaria e - a glória: dirigir o seu fusca vermelho!! Yeesss!!
A vó era só recomendações: não ficar no sol, não esquecer de pegar o casaco, não comer fruta verde, não correr as galinhas! Hehehe! Mas trazia pão de casa, chocolate quente, contava histórias, ensinava, dava conselhos... Minha avó era uma feminista! Ela ainda é bonita, aos 96 anos!
Minha adolescência foi um caso a parte. Eu era desajeitada e nenhum pouco interessada nessas coisas que as adolescentes se preocupam hoje. Não havia consumismo, preocupação exagerada com roupas, grifes, dietas, aparência física... Gostava de ficar sozinha, mas, aos poucos, fui conhecendo amigos que viraram a minha turma, que se mantém até hoje.
Parodiando Cecília Meirelles posso dizer que a minha mãe era uma mulher de fases. Andava a mil, fazia um monte de coisas, falava muito, inventava programas, passeios, tocava gaita, ouvia música, ria alto, se arrumava, agitava!! Depois calava, sumia, entristecia, se deprimia... Eu não entendia nada...
Tive meu primeiro namorado aos 13 anos. Casei com ele.
Adoro chocolate.
O primeiro poeta que li foi Vinícius: “de tudo, ao meu amor serei atento”...
Descobri que meu pai sabia tudo de história! E contava aquilo que os livros não contavam! Era uma delícia! Meu pai tão cheio de "voltas", de intenções, de planos, de ideias... Sempre me pareceu tão vivido, tão experiente, tão seguro. Ele é observador, inteligente, sagaz e extremamente generoso! Ele conseguia antecipar todas as bobagens que eu e meus irmãos iríamos fazer e, mesmo assim, estar do nosso lado, sem grandes cobranças!
Aos quatorze, li contos de Shakespeare resumidos e traduzidos por Mário Quintana. Nessa época li muitos livros, sem nenhum critério. Li tudo o que encontrei lá nas Cordilheiras, nas intermináveis férias de verão.
Aos quinze tirei o aparelho dos dentes. E as sobrancelhas. Que lástima!
Aos dezesseis fiz minha inscrição pro vestibular. Surpreendentemente passei e adorei o curso. Ou o lado filosófico do Direito. Ou aquilo que não era nada prático, digamos, assim! Escolher uma carreira com aquela idade não funcionou.
Estágios em Brasília e, imediatamente, em Roraima foram experiências marcantes e absolutamente antagônicas. Fiquei em Brasília num hotel maravilhoso, só mordomia e ar condicionado. Circulando entre a Câmara e o Senado e vendo aqueles senhores engravatados que faziam as leis. Roraima me fez ver a selva, os índios e um Brasil diferente, carente, isolado, que falava inglês e se sentia à parte.
Adoraria ter viajado mais, conhecido outros lugares...
Aos vinte e dois anos me despedi de Santa Maria e de alguns sonhos.
Casei com vinte e quatro. Adorei os preparativos, experimentar vestido de noiva, chá de panela, festa, casa nova, vida nova. Acho que voltei a brincar de casinha.
Com vinte e seis anos tive o Dude. Com vinte e oito a Kika. Não consigo separar as duas experiências. Mergulhei nas duas gestações, cheiro de filho, amamentar, ninar, cuidar, ver crescer, tão lindo! Emocionava-me ao ver meus filhotes dormindo, as primeiras palavras, a proximidade... Fui mãe tempo integral, exagerada, emocionada, feliz!
Precisei fazer terapia pra deixar os dois respirarem!!
Comecei a trabalhar num banco em 1995. Admirável mundo novo! Sair de casa com o coração apertado e todas estas coisas que todas as mães que trabalham fora fazem... E enfrentar ambiente de trabalho, informatizado, globalizado, cheio de cifras e metas... Foi complicado! Mas foi muito bom! Descobri que adoro gente, colegas, clientes, me relacionar.
Mas também adoro ficar sozinha. Silêncio é tudo!
Fazer quarenta anos foi um marco. Questionei a minha vida, revisei tudo e me deu uma urgência de fazer tantas coisas!
Comecei desconstruindo... Saí do meu trabalho e, com quarenta e sete anos, me separei...
Sou capaz de focar em alguma coisa que me apaixone e esquecer todo o resto...
Sempre, sempre tomo café na cama. Eu mesma faço, encho uma bandeja e volto com ela pro quarto.
Descobri a dor de perder alguém que amava muito. E isso também foi definitivo.
Ando meio paralisada, preciso me reinventar.
Tive a melhor babá do mundo. Era dela o melhor colo, toda a disponibilidade e todo o carinho... Eu e a Teresa ficamos juntas até os meus 22 anos!! (??!!)
Morei, até os seis anos, um pouco nas Cordilheiras e um pouco em Lavras, na casa dos meus avós maternos. Cresci cercada de adultos por todos os lados. Meus dois irmãos Valério e Pigue nasceram quando eu tinha quatro e cinco anos, respectivamente.
A vinda da Carmen pra nossa casa, quando eu tinha uns sete anos, foi um presente que a vida me deu. Ganhei uma cúmplice! Ela era esperta, ágil, criativa, jogava futebol melhor que todo o time dos meus irmãos! E era cheia de paciência e humildade... Tão linda!
Lembro mais da minha infância depois que fomos morar na casa dos meus pais, recém construída. Tive muita liberdade porque minha mãe não se importava com bagunça e com a casa cheia de crianças. Os dias eram pequenos pra tantas coisas que queríamos fazer. Não assisti TV até os doze anos, quando finalmente Lavras entrou no século 20 e a família inteira se sentava na frente da única TV pra assistir "Irmãos Coragem"!
Mas íamos ao cinema todos os domingos. Era sagrado. (Assisti a Noviça Rebelde oito vezes!)
Tive dois apelidos: Badinha e Dudu. Alguns tios ainda me chamam de Dudu.
Sempre passei férias na casa do meu avô Augusto. Pandorga, horta, andar a cavalo, tomar banho de cachoeira, comer butiá, dançar tango (ele cantarolava: “de um tropeçô, levou la vida...”), ouvir histórias, olhar pro céu, desvendar o céu, entender a vida. Com ele tudo era explicado. O vento no aéreo, a pimenta em conserva, a água que subia “sozinha" até a caixa d'água tão alta, o tempo de plantar e de colher, a germinação, o leite da vaca, o cordeirinho que acabara de nascer, o trajeto do sol, as fases da lua, os satélites artificiais, as noites estreladas, o Cruzeiro do Sul, o binóculo, o termômetro, o medidor da água da chuva, a marcenaria e - a glória: dirigir o seu fusca vermelho!! Yeesss!!
A vó era só recomendações: não ficar no sol, não esquecer de pegar o casaco, não comer fruta verde, não correr as galinhas! Hehehe! Mas trazia pão de casa, chocolate quente, contava histórias, ensinava, dava conselhos... Minha avó era uma feminista! Ela ainda é bonita, aos 96 anos!
Minha adolescência foi um caso a parte. Eu era desajeitada e nenhum pouco interessada nessas coisas que as adolescentes se preocupam hoje. Não havia consumismo, preocupação exagerada com roupas, grifes, dietas, aparência física... Gostava de ficar sozinha, mas, aos poucos, fui conhecendo amigos que viraram a minha turma, que se mantém até hoje.
Parodiando Cecília Meirelles posso dizer que a minha mãe era uma mulher de fases. Andava a mil, fazia um monte de coisas, falava muito, inventava programas, passeios, tocava gaita, ouvia música, ria alto, se arrumava, agitava!! Depois calava, sumia, entristecia, se deprimia... Eu não entendia nada...
Tive meu primeiro namorado aos 13 anos. Casei com ele.
Adoro chocolate.
O primeiro poeta que li foi Vinícius: “de tudo, ao meu amor serei atento”...
Descobri que meu pai sabia tudo de história! E contava aquilo que os livros não contavam! Era uma delícia! Meu pai tão cheio de "voltas", de intenções, de planos, de ideias... Sempre me pareceu tão vivido, tão experiente, tão seguro. Ele é observador, inteligente, sagaz e extremamente generoso! Ele conseguia antecipar todas as bobagens que eu e meus irmãos iríamos fazer e, mesmo assim, estar do nosso lado, sem grandes cobranças!
Aos quatorze, li contos de Shakespeare resumidos e traduzidos por Mário Quintana. Nessa época li muitos livros, sem nenhum critério. Li tudo o que encontrei lá nas Cordilheiras, nas intermináveis férias de verão.
Aos quinze tirei o aparelho dos dentes. E as sobrancelhas. Que lástima!
Aos dezesseis fiz minha inscrição pro vestibular. Surpreendentemente passei e adorei o curso. Ou o lado filosófico do Direito. Ou aquilo que não era nada prático, digamos, assim! Escolher uma carreira com aquela idade não funcionou.
Estágios em Brasília e, imediatamente, em Roraima foram experiências marcantes e absolutamente antagônicas. Fiquei em Brasília num hotel maravilhoso, só mordomia e ar condicionado. Circulando entre a Câmara e o Senado e vendo aqueles senhores engravatados que faziam as leis. Roraima me fez ver a selva, os índios e um Brasil diferente, carente, isolado, que falava inglês e se sentia à parte.
Adoraria ter viajado mais, conhecido outros lugares...
Aos vinte e dois anos me despedi de Santa Maria e de alguns sonhos.
Casei com vinte e quatro. Adorei os preparativos, experimentar vestido de noiva, chá de panela, festa, casa nova, vida nova. Acho que voltei a brincar de casinha.
Com vinte e seis anos tive o Dude. Com vinte e oito a Kika. Não consigo separar as duas experiências. Mergulhei nas duas gestações, cheiro de filho, amamentar, ninar, cuidar, ver crescer, tão lindo! Emocionava-me ao ver meus filhotes dormindo, as primeiras palavras, a proximidade... Fui mãe tempo integral, exagerada, emocionada, feliz!
Precisei fazer terapia pra deixar os dois respirarem!!
Comecei a trabalhar num banco em 1995. Admirável mundo novo! Sair de casa com o coração apertado e todas estas coisas que todas as mães que trabalham fora fazem... E enfrentar ambiente de trabalho, informatizado, globalizado, cheio de cifras e metas... Foi complicado! Mas foi muito bom! Descobri que adoro gente, colegas, clientes, me relacionar.
Mas também adoro ficar sozinha. Silêncio é tudo!
Fazer quarenta anos foi um marco. Questionei a minha vida, revisei tudo e me deu uma urgência de fazer tantas coisas!
Comecei desconstruindo... Saí do meu trabalho e, com quarenta e sete anos, me separei...
Sou capaz de focar em alguma coisa que me apaixone e esquecer todo o resto...
Sempre, sempre tomo café na cama. Eu mesma faço, encho uma bandeja e volto com ela pro quarto.
Descobri a dor de perder alguém que amava muito. E isso também foi definitivo.
Ando meio paralisada, preciso me reinventar.
2 comentários:
E você nem começou assim:
"Prepare seu coração
Prás coisas que eu vou contar..."
Delicadamente, comovente e lindo.
Você não precisa se reinventar Ana, você precisa se desvendar!
Beijo
Em tempo: Você descreveu a bipolaridade da sua mãe não de forma leiga mas em forma de poesia.
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