21.7.06

Castigo

Quando era criança, costumava passar as férias lá fora, na casa do meu avô Augusto e da minha avó Electra (ela odiava este nome!). Lá era o paraíso. O vô tinha uma carpintaria com tudo o que se pode imaginar. Ele fazia móveis para minhas bonecas, pazinhas de madeira, tábuas de cortar legumes, pandorgas, enquanto a minha avó costurava roupas para elas, com montes de retalhos de tecidos que tinham numa cesta, que era meu objeto de desejo. Como meu avô era farmacêutico (manipulava remédios), me deu uma infinidade de potinhos, vidrinhos, tubos e medidores que eu cuidava como a um tesouro. Tudo o que eu tinha, lá fora, eram duas bonecas de plástico e estas coisas que ia juntando e transformando em brinquedos.
Água, terra, pétalas de flores, folhas, pedrinhas... Terra com água virando barro que virava bolo de aniversário, enfeitado com flores. Uma porta velha era a mesa. Papel de embrulho, cuidadosamente recortado,era a toalha de rendas. Em vidros, latas, fazia a comidinha das bonecas, "cozinhava" as folhas picadinhas. Tudo embaixo de uma parreira enorme.
Minha avó ensinava a não colher as frutas e os legumes da horta. Dizia que era desperdício, que precisavam amadurecer...
Numa tarde de sol, depois do almoço, quando meus avós sesteavam, inventei de ir na horta. Tinha um portão, que empurrei devagar e vi todas aquelas cores, que adoraria usar no "almoço" que tava preparando. Mas lembrei das recomendações da vó e desisti de arrancar os legumes, ainda verdes. Só que não resisti e arranquei duas pimentas vermelhas, de uma pimenteira enorme que tinha bem ao lado do portão. Considerei que ela estava carregadinha e que duas pimentas não fariam falta. Voltei correndo, com a sensação de estar fazendo o que não devia...
Eu tinha uma tábua onde cortava as folhinhas e fui picando a pimenta vermelhinha, que usaria na minha "salada". Piquei tudo... fiquei olhando... e, nem sei por que, esfreguei o olho. Meu Deus! Ardeu muito! Doeu! Queimou! E eu não fazia a menor idéia do que tava acontecendo. Só podia ser castigo de Deus, que tava vendo tudo!
Corri ao banheiro, lavei com muita água e a dor foi acalmando.
Voltei na "minha" cozinha... Limpei tudo... E passei o resto da tarde quieta, sentada numa calçada que tinha em frente da casa, pra espanto da minha avó que não entendia porquê eu tava tão calada...

8 comentários:

Zeca La-Rocca disse...

Ana, q delícia!! Quria ver a tua carinha. Como um dito bem gaudério: "Mais sério q guri cagado, em beira de rancho!"
Nem preciso dizer o qnto gosto destas lembranças de crianças,né?
abço

Anônimo disse...

Muda-se o tempo, o local, os brinquedos, mas crianças boas são todas iguais! :) (É infelizmente existem crianças más)

Linda história!

Beijo,

PS. Agora, vem cá... ter avó com nome de super-herói, hein, hein, hein?? Cool......... :)

Graziana Fraga dos Santos disse...

Que historia!
lembrei de quando fazia meus bolinhos de terra e fazia meus primos provar!
bjao

Graziana Fraga dos Santos disse...

Que historia!
lembrei de quando fazia meus bolinhos de terra e fazia meus primos provar!
bjao

Thelma disse...

Tadinha!!! Que susto! Tua descricao eh de uma infancia feliz, mesmo com pimenta nos olhos. Legal!

Luiz Felipe Botelho disse...

Narrativa bonita! Vi tudo. Filme bacana. Lembrei dos meus avós e das férias na casa deles no interior - tudo tão parecido, a oficina do vô, as comidas gostosas de vó, o pomar, as árvores que eu subia, as frutas verdes que eu não devia mexer e... a pimenta redondinha e vermelha que comi achando que era amora (nunca tinha visto nem amora 'pessoalmente' nem sabia o que era pimenta) e estava madura!
Adorei ler seu texto, Ana. Adorei passear com você nessas imagens mais do que lindas e também (re)fazer conexões gostosas e luminosas com meu passado.
Beijo

Anônimo disse...

Puxa, Ana!!!
Sempre me emociono lendo teus textos, esse especialmente...
Mistura de te imaginar vivendo tudo e de lembrar da minha infância... era tudo tão simples...
Lembrei principalmente de uma vez q fizemos uma comidinha em latas de compota de pessego, eu e a Claudinha, o Rafael era nosso irmão e construiu o fogão de tijolos e fez o fogo...
Arroz com carne... A metade de baixo ficou queimada e a de cima crua...hehehe
Comemos tudo!! Tava muuuito boooom...
No outro dia fui internada no hospital, com infecção intestinal!!!
A mãe ficou furiosa, mas como sempre, me cuidou...E pra ficar boa logo, iam pra lá passar a tarde, o Rafael e a Claudia... ficávamos lá, cheios de risadas, de gibis e de inocência!! Prontos pra próxima brincadeira...

Anônimo disse...

I like it! Good job. Go on.
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