24.7.13

Ainda sobre o tempo:

"Entre a vaca e a própria natureza"

"Contaram pra nós, que aos 60 anos, seria hora de colocar o pijamão e preparar pra despedida.  Era mentira.  Vamos viver cem anos, e mais.  Depois da correria, do batidão, das conquistas, do esforço pra seduzir a todos, teremos agora mais 40 anos a preencher.  

Enganaram-nos?  Pois eu penso: que maravilha estar vivo neste século!  Do alto da maturidade, com paz no plexo e tempo de sobra, poderemos mergulhar sem medo no sentido das coisas, sorver a vida em profundidade, penetrar o mistério de olhos abertos.   

Já que a velha senhora chega e fica para todos, pq não dar-lhe as boas vindas, aplaudir-lhe a estrada percorrida, sorrir de seus desjeitos, das dores, manias, e admirar-lhe a serenidade diante de fatos que assustam os de percurso mais curto? Há tantos exemplos a seguir, gente cheia de entusiasmo, curiosidade, vigor, alegria:  Niemeyer, Fernanda Montenegro, Chico Buarque, Bibi, Papa Francisco...

Nesta linha lembrei de um livro que li há tempos,  A pequena abelha, de Chris Cleave, (uma história espantosa embrulhada numa escrita poética que se contrapõe à crueza dos fatos narrados).  A personagem central sugere ao leitor que passe a olhar suas cicatrizes como marcas bonitas, "porque uma cicatriz não se forma num morto, uma cicatriz significa 'eu sobrevivi'.  Todas as marcas - linhas, rugas, manchas, dores -  são uma forma de sobrevivência:  demos conta de tudo e estamos aqui com nossa história tatuada no corpo.  

Com mais ou menos marcas, não importa, não é só o velho que tem um corpo estranho.  Nosso corpo é estranhíssimo em todas as fases.  O bebê se sente esquisito, a menina na puberdade, os adolescentes odeiam os seus, a mulher de 40, o homem de 60.  


Não é privilégio de idosos, é coisa de gente.  Ou você se transforma em uma vaca, ou trata de aceitar sua natureza.  Até porque agora o futuro cresceu, e teremos que conviver com essa estranheza por mais tempo. Tire seu umbigo do caminho e deixe o tempo passar gostoso.  Deixe o olhar percorrer as redondezas, tudo tão intrigante, curioso, genial, impossível não se entusiasmar.  E então...mergulhar.  

Como diz a velha da peça que enceno em SP:
- Li outro dia que o homem vai chegar aos mil anos. Ainda nesse século.  Me deu um cansaço meio mórbido imaginar a vida cheia de percalços sem fim, aquela sucessão de crises loooongas. 
A Bela Adormecida atravessou dormindo os cem anos dela.  Parece mais cômodo, não é?  Além do mais ainda deu a sorte de ser despertada pelo príncipe e estar incólume.  Hoje, já se vive o dobro que no século passado, e às vezes penso que seria um consolo chegar logo no fim do ciclo.  
Por outro lado é como você diz  Terezinha, estou no ponto e ainda tem tanto por fazer, aprender um instrumento, saber cantar bonito, dar a volta ao mundo, cozinhar pratos exóticos,...puxa,  que maravilha o futuro!  Mil anos deve dar pro começo! "

 
O texto é da Maitê Proença. A ilustração é só para reforçar a ideia! :P

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails