"Todo mundo tem medo de dizer não. Mas algumas pessoas têm mais medo que as outras. Principalmente as que apostam as fichas num mundo mais gentil, em formas mais conciliadoras e pacíficas no caso de disputas. Para essas pessoas, o não parece conter uma agressividade intolerável, uma palavra que aponta para um caminho sem volta em direção ao confronto. No geral, elas têm pouca habilidade para respostas rápidas ou facilidade em sustentar posições contra o fogo cerrado de um inimigo mais dinâmico. Então, para elas fica mais fácil morrer por dentro e dizer sim.
Mas por que será que temos tanto medo do conflito que pode ser causado pelo não? A psicóloga paulista Corinna Shabbel fez mestrado e doutorado para responder a essa pergunta. Sua especialidade é ser mediadora de conflitos diante da diferença de opiniões. No fundo, seu trabalho é administrar com razoável sucesso o não de cada um. Dá cursos e palestras sobre o assunto e instrumentaliza pessoas físicas e funcionários de empresas para enfrentar e superar suas dificuldades.
E a primeira declaração de Corinna é preciosa: quase todas as pessoas que estão prestes a dizer não fantasiam uma série de reações negativas por parte do outro. Isto é, a pessoa teme que ele fique bravo, agressivo ou, então, magoado, triste e ofendido. “Esse olhar negativo sobre as conseqüências do não tira a força e o peso da recusa. Esses fantasmas geralmente não passam da mais pura imaginação. Se a gente diz um não limpo, coerente com nossos sentimentos, e o dizemos com clareza, é bem provável que o outro acate sem conflitos ou ofensas”, diz. A psicóloga aconselha, portanto, a refletir bastante sobre nossos fantasmas e fantasias, conhecê-los de perto e tentar identificar quando eles estão se aproximando para turvar a realidade.
Pois o medo da rejeição é crucial e está sempre a nos rondar, como um fantasma. Claro, imaginamos perder o outro por causa de uma negação. “Isso acontece porque não conseguimos fazer as pazes com o não, fortalecê-lo, saber que ele é necessário na vida e que sem ele não se pode viver. Para nós, ele não é natural – por isso o medo superdimensionado do efeito que ele pode causar no outro”, diz Corinna Shabbel.
“Meus pais sempre me ensinaram a dizer sim. Como um cachorrinho, ganhava uma prêmio toda vez que acontecia isso: um passeio, um docinho, um agrado.” Irene era cada vez mais amada e aprovada em face de sua aceitação e submissão. “Quando comecei a trabalhar, vi que tinha medo de perder a aprovação dos outros diante do meu não. E no ambiente profissional você precisa se impor, dar limites. A educação que tive ainda me acompanha, mas fui aprendendo que nem sempre a negação inclui uma total desaprovação por parte do outro, um rompimento.” Viu que as pessoas podem não gostar muito de ouvir uma negação, mas que depois aceitam – e tudo bem. Principalmente, é claro, se ela tiver razão.
Para os psicoterapeutas americanos Jo Ellen Gryzb e Robin Chandler, a dificuldade para negar surge porque, no fundo, achamos errado não ser legal. O inesperado livro vai na contracorrente da auto-ajuda, porque não ensina a melhorar a si mesmo, mas a “piorar” e, assim, ser mais verdadeiro. Basicamente, dá o passo-a-passo de como abdicar de ser o boa-praça de plantão, sempre solícito, presente e gentil, para transformá-lo em alguém mais consciente de si mesmo e dos outros, inclusive dos seus abusos. Os dois decidiram escrever o livro quando se encontraram numa segunda-feira de manhã e descobriram que Jo Ellen havia passado uma noite em claro por não saber como expulsar hóspedes indesejáveis de casa e Robin, exausto por bancar o cicerone de parentes que visitavam a família. Antes de expressar o que pensavam, eram tidos como gente muito, muito legal.
Além do risco de não nos deixar mais ser vistos como “legais”, o não também implica outros perigos. É quando as perdas podem ser reais e não apenas imaginárias. “Nessa circunstância, podemos optar por um sim, mas com limites. Posso aceitar algo, mas só por um período curto de tempo, por exemplo. É um sim condicional”, afirma Corinna. Adorei o sim com limites. Tanto que vários dos meus sins daquele momento em diante já vinham com um limite dentro. Acho que fiquei meio chata por um período com meus amigos, mas foi uma bela transição em direção ao não."
Além do risco de não nos deixar mais ser vistos como “legais”, o não também implica outros perigos. É quando as perdas podem ser reais e não apenas imaginárias. “Nessa circunstância, podemos optar por um sim, mas com limites. Posso aceitar algo, mas só por um período curto de tempo, por exemplo. É um sim condicional”, afirma Corinna. Adorei o sim com limites. Tanto que vários dos meus sins daquele momento em diante já vinham com um limite dentro. Acho que fiquei meio chata por um período com meus amigos, mas foi uma bela transição em direção ao não."
“Manter vínculos é a mais fundamental estratégia de sobrevivência do começo da vida”, diz Denise Passos. Temos dificuldade em dizer não porque morremos de pavor de perder nossos vínculos e ter nossa sobrevivência ameaçada. É um medo inconsciente e ancestral. Uma criança que tem pais agressivos, por exemplo, e que por temperamento é mais doce, aprende rapidamente que pode ser mais protegida ou aceita quando é boazinha. E ser boazinha e prematuramente madura é uma estratégia eficaz de sobrevivência. “O problema não é ser doce e gentil, o problema é só agir assim, como se não houvesse outra possibilidade diante das situações”, diz Denise.
Um dia crescemos, nos tornamos seres autônomos e não mais tão dependentes dos vínculos. Mas a frase de néon pode continuar a piscar no cérebro: somos fracos, dependentes, e precisamos ceder para sobreviver. Como o patinho feio que virou cisne, não percebemos que nos tornamos fortes e adultos. E que não dependemos tanto dos vínculos, a ponto de aceitar e cultivar até aqueles que podem nos causar muita dor e sofrimento na vida."
√ "O não pode não ser necessariamente negativo. Já pensou nisso? Na verdade, ele pode se revelar como um portão escancarado para um mundo de aventuras e bem-aventuranças. Ele pode ser, ao contrário, imensamente positivo, pois significa uma recusa ao que é proposto, seja por uma pessoa, seja por uma circunstância, e uma abertura a novas situações."
√ "A cada recusa de pretendentes ou ultrapassagem de um limite, você se coloca num nível mais alto, de perigo maior. A questão é: você está preparado para esse desafio? “A aventura vai ser a recompensa, mas ela é necessariamente perigosa, incluindo possibilidades, tanto positivas quanto negativas, umas e outras fora de controle”, afirma Campbell. Afinal, se você for imprudente demais, pode perder a vida."
√ "Mas há uma grande vantagem nessa escolha. “Estaremos seguindo nosso próprio caminho e não mais o caminho do papai e da mamãe. Com isso estamos sem proteção, num campo de poderes superiores aos que conhecemos”, diz Campbell. É para isso que as histórias e os mitos existem. De certa forma, eles nos preparam para o que há de vir depois da recusa. Isto é, o não abre portas para riscos, mudança, conflitos, aventuras e realidades diferentes."
√ "O mestre tibetano Chögyam Trungpa falava desse não visceral como o “BIG NO”, o grande não, aquele que é capaz de transformar vidas e destinos. É por isso, também, que o tememos. Mas a mitologia insiste que o caminho do coração é protegido por forças que não conhecemos, que não é preciso temer demais e que nele desenvolveremos novas habilidades e valores. Uma coisa é certa: depois desse não frontal diante da realidade, nada do que foi será do mesmo do jeito que já foi um dia."
√ "O mestre tibetano Chögyam Trungpa falava desse não visceral como o “BIG NO”, o grande não, aquele que é capaz de transformar vidas e destinos. É por isso, também, que o tememos. Mas a mitologia insiste que o caminho do coração é protegido por forças que não conhecemos, que não é preciso temer demais e que nele desenvolveremos novas habilidades e valores. Uma coisa é certa: depois desse não frontal diante da realidade, nada do que foi será do mesmo do jeito que já foi um dia."
Finalmente, as dicas da revista, para se sustentar uma negação:
.. Ser muito legal pode não ser legal. Experimente ser egoísta de vez em quando.
. Se discordar, discorde logo de cara, no começo da conversa
. O não precisa ter força. Boa alimentação, exercícios vocais e vitalidade auxiliam.
. Se não tiver certeza do seu sim, enrole. Ou peça tempo para pensar.
. Não sorria quando estiver aponto de explodir. Aprenda a fechar a cara.
. Mude de opinião quantas vezes quiser.
. Diga como se sente e não acuse o outro, colocando-o na defensiva.
. Não abra muito espaço para contra-argumentos. Reafirme o seu não.
. A negação precisa ser firme. Mas não precisa ser agressiva
. Imagine sempre que tudo vai dar certo. Costuma funcionar.
8 comentários:
Pois é, Ana!
Eu costumo dizer nãos às vezes e é geralmente pro meu filho, já que é filho único e nunca quis deixá-lo ficar egoísta com o mundo.
Ontem mesmo, disse um não a ele e, claro, ficou chateado, nervosinho, mas hoje já vejo a coisa por um outro prisma e vou até afrouxar um pouquinho esse não, mas sou partidária disso, dizer o não na hora certa, mesmo que eu própria fique mal.
Assim sou eu.
Muito bom o tema abordado.
bjs cariocas
Ana,
Dê uma olhadinha no meu último post e responda-me se por aí também tens problemas semelhantes.
bjs cariocas
SEMPRE DISSE, DIGO E DIREI "NÃO" QUANDO FIRMO CONVICÇÃO QUE ESTOU CERTO.
PODE SER PARA FILHO,NETO,PARENTES QUAISQUER,ALUNOS,VIZINHOS,AMIGOS. É MAIS HONESTO.
QUANDO MAIS MOÇO ME BATIA UM CERTO REMORSO. DEPOIS, COM A IDADE DA RAZÃO, FICO TRANQUILO QUE NEM ÁGUA DE POÇO.
E O QUE É IMPORTANTE PELA COERÊNCIA E O MAIS DIFÍCIL DE FAZER : APRENDI A DIZER "NÃO" PARA MIM MESMO ! JÁ ME LIVREI DE TENTAÇÕES (DE QUALQUER TIPO) DIZENDO "NÃO"...COM DIFICULDADE, RECONHEÇO...MAS CONSEGUI ! E POR AGIR ASSIM, ME POUPEI DE PERDAS, SOFRIMENTOS, INCÔMODOS, MELANCOLIA,CRÍTICAS.
ACHO QUE É ISSO QUE SE CHAMA...MATURIDADE.
BEIJO
JP
Ééééééé... tava precisando revitalizar meus "nãos"... bju
A Isa me recomendou olhar este post sobre o não em teu blog, porque pensou que eu iria gostar.
Não só gostei, como aproveitei para relembrar esta revista que há tempos não leio e que me é muito querida, porque ali o Manuca fez suas primeiras fotos em São Paulo.
E ainda vejo as novidades de layout que sempre incorporas , dando graça e vida ao que parece ser apenas virtual.
Também os comentários são... legais?... impressionantes? maravilhosos?... não sei dizer
Viva a Ana!! Viva a Isa que me dá tantos carinhos com suas indicações!
beijos
Ana , olha o blog do Manuca:
harmonia698 (tem lá na Isabel) . Tem um video novo que achei que podes gostar.
bj
Li este artigo há dois dias, no aeroporto, em pé, esperando o meu vôo. Legal, guria.
Ana,
O não, pois não é não?
Depende de cada situação
Querendo ou não
Fazendo ou não concessão
Tem hora pra cada um dos Nãos
Não pra irmão
Não pro cidadão
Não pro ancião
Não pro Anel no anular esquerdo da mão
Não até pro pedido de perdão
Eu só não aprendí
Nem quero aprender
A dizer Não
Nunca disse Não
Pro meu Caio
Que recebeu da genética
Seu eterno Não
Abraço "sim lencioso"
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