29.9.08

Perfeição


"Ver o mundo através das lentes do consumo nos faz exigir sempre o melhor, não importa se de um produto, de um relacionamento, de um emprego ou das pessoas que amamos. E, como o feitiço também vira contra o feiticeiro, de nós não exigimos menos que a excelência. A coisa é tão séria que virou fobia. Quem sofre de atelofobia tem medo da imperfeição. E também tem ansiedade crônica. Porque é difícil viver em uma sociedade onde o sofrimento, a tristeza, os defeitos e as fraquezas não são mais tolerados."

"A indústria oferece soluções para qualquer tipo de problema e para todos os tipos de bolso: receitas para o sucesso nas prateleiras das livrarias; pílulas da felicidade na farmácia da esquina; o corpo dos sonhos em troca de cheques a perder de vista. Bem-vindos. Esses são os tempos da perfeição de massa, onde os defeitos são vistos como erros da natureza que podem ser corrigidos, deletados, deixados pa ra trás. Dentes desalinhados e pés chatos, olhar estrábico e orelhas de abano, escoliose e miopia, verrugas salientes e septos desviados são coisas do passado." .


"O corpo deixa de ser determinado e passa a ser inventado. Um corpo fabricado pelas nossas escolhas. Livre do sofrimento e do tempo. É o que sustenta o escritor francês Hervé Juvin no livro LAvènement du Corps (O triunfo do corpo, sem edição brasileira). Impotência, esterilidade, envelhecimento, desânimo, menopausa: tudo pode ser reparado. Músculos, cabelos, lábios e seios: tudo pode ser melhorado. O escritor vai além. Defende que, pela primeira vez, estamos diante de uma humanidade realmente dividida. Pelo corpo. Dentes quebrados ou cariados, corpos envelhecidos, mancos ou mutilados, rugas e cicatrizes separam os mundos mais que o dinheiro, escreve."

"Corremos o risco de deixar de ser aquilo que somos para nos transformarmos em um corpo sem marcas, sem história, sem humores. Em mera imagem. Se não é bem essa sua intenção, experimente olhar o mundo através de lentes não viciadas em cânones ou padrões. Lentes que permitam enxergar tudo de forma sistêmica, onde não existe certo e errado nem perfeito e imperfeito. Se tudo depende do contexto e do observador, pare e olhe para você. Mas olhe profundamente. Lembre o que disse uma vez Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço: Quem olha para fora sonha. Quem olha para dentro desperta."


"Lembre-se de que a essência só se fará presente quando encontrar a espontaneidade de um corpo livre de travas e amarras. De que adiantam dentes artificialmente brancos numa boca que não ri?
Ponha uma flor nos seus cabelos crespos, enfeite sua miopia com óculos coloridos.
Use sua preguiça como antídoto contra o estresse que paira no escritório, sua rigidez para superar um momento difícil e sua gargalhada estridente para quebrar o gelo. Aprenda que mesmo aquele que você considera seu pior defeito, em muitos momentos, pode ser funcional. E pense que talvez as pessoas mais fascinantes sejam aquelas capazes de ser e permanecer naturais."

* Trechos do artigo Perfeição de Massa,
escrito por Elisa Correa, na Revista Vida Simples

Um comentário:

Rosamaria disse...

Bah! Tu faz um post maravilhoso desses e ninguém comenta!
Não comentei antes porque quando vim aqui não deu tempo.

"Quem olha para fora sonha. Quem olha para dentro desperta."

Bjão.

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