12.3.07

O acontecer do amor e da morte


"Somos todos imortais. Teoricamente imortais, claro. Hipocritamente imortais. Por que nunca consideramos a morte como uma possibilidade cotidiana, feito perder a hora no trabalho ou cortar-se fazendo a barba, por exemplo. Na nossa cabeça, a morte não acontece como pode acontecer de eu discar um número telefônico e, ao invés de alguém atender, dar sinal de ocupado. A morte, fantasticamente, deveria ser precedida de certo “clima”, certa “preparação”. Certa “grandeza”.
Deve ser por isso que fico (ficamos todos, acho) tão abalado quando, sem nenhuma preparação, ela acontece de repente. E então o espanto e o desamparo, a incompreensão também, invadem a suposta ordem inabalável do arrumado (e por isso mesmo “eterno”) cotidiano. A morte de alguém conhecido ou/e amado estupra essa precária arrumação, essa falsa eternidade. A morte e o amor. Por que o amor, como a morte, também existe – e da mesma forma dissimulada. Por trás, inaparente. Mas tão poderoso que, da mesma forma que a morte – pois o amor é uma espécie de morte (a morte da solidão, a morte do ego trancado, indivisível, furiosa e egoisticamente incomunicável) – nos desarma. O acontecer do amor e da morte desmascaram nossa patética fragilidade."
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Texto: Caio Fernando Abreu / Ilustração: Gustav Klimt

3 comentários:

Anônimo disse...

Caio Fernando Abreu é sempre bem-vindo.
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Veja só as sincronicidades da vida, estava procurando algo para ler, chocado com a morte de um jovem amigo ontem à noite, acidente de moto.
-
abraço sertanejo.

Graziana Fraga dos Santos disse...

Assisti a uma peça do Caio, inspirada no livro Morangos Mofados, maravilhoso!

não estamos nunca preparados pra morte de quem amamos e muito menos pra morte do amor de alguém que amamos e que nos amava.
e que algumas vezes, o amor, assim como a morte, acontece de repente, nos pegando de surpresa, quando a surpresa é do amor, bem melhor né ;)

Rosamaria disse...

No tempo de tua juventude ainda tinham aqueles álbuns de recordações, que a gente usava para os amigos deixarem algo ecrito? Pois coincidência ou não, ontem ainda lembrei de uma poesia deixada por um ex num desses álbuns, que já coloquei no meu perfil e dizia assim:

Amor e morte

O amor é
como a morte,
ato banal de todo dia.
Emoção forte,
de tristeza ou de alegria.

Ele sempre nos surpreende
e a ele nunca nos acostumamos.

Talvez,

o amor é como a morte,
quando amamos
é sempre a primeira vez.


Meus ábuns foram roubados, e sei por quem, mas algumas coisas escritas neles nunca vou esquecer.

Bjããoo.

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