"Muitas vezes esquecemos o que gostaríamos de poder recordar,
outras vezes,
recorrentes, obsessivas, reagindo ao mínimo estímulo,vêm-nos do passado
imagens,
palavras soltas,
fulgurância,
iluminações,
e não há explicação para elas, não as convocamos, mas elas aí estão."José Saramago
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"Quantas histórias carrega o corpo, às quais não podemos apagar, e nos fazem tropeçar em nós mesmos, até torná-las cristalinas, limpando-as da dor profunda que não pudemos assimilar de outra forma, num tempo em que ainda não racionalizavamos os acontecimentos, e que ficam a ressoar nas nossas atitudes cotidianas por toda uma vida, repetindo-se e sendo reeditadas, enquanto apenas tentamos fazer de conta que não existiram. Pensamos que esquecemos.
Eventualmente um cheiro, um lugar, uma situação, uma pessoa, uma imagem, nos fazem estremecer e nos emocionam de tal modo, que é inevitável reconhecer que há algo no fundo de nós mesmos que reverbera desde outras camadas da construção (sempre inacabada) que somos. Uma vontade de chorar de repente, uma sensação de perigo extremo - um medo, um susto, uma raiva, uma tristeza? O corpo registrou assim: uma dor, um prazer.
Podemos ser luz, alegria, prosperidade, positivismos apregoados diariamente nas imagens dos modelos de sucesso que consumimos, através de técnicas milenares ou ultramodernas. Mas consciência e autenticidade na condução de nosso destino, e a verdadeira beleza que há em nós, só podem emergir se reunirmos todos os nossos aspectos, e acolhermos com compaixão tanto as sombras quanto os pontos de luz.
A capacidade de sentirmos prazer se expande na mesma medida em que nos desanestesiamos, e permitimos que transbordem velhas dores, que se solidificaram em tensões musculares, e constituem nosso perfil.
Por onde começar? Sentir os pés em contato com o solo, reafirmar nossa relação com a terra, perceber o tremor que se inicia, e permitir que essa vibração venha nos perpassando desde a base.
Aos poucos, emerge uma sensação amplificada do próprio corpo, uma vivacidade maior nas sensações do corpo. Ao aguçarmos nosso sexto sentido, a propriocepção, saimos por uns instantes do ritmo mental habitual.
Com o tempo, vamos acessando níveis mais profundos da nossa consciência pela via do corpo, reconhecendo, fluidificando, flexibilizando, ou pelo menos convivendo mais harmoniosamente com antigos registros da nossa própria história, e retomando o contato com nossos sentimentos, desencarcerando o coração, e criando coragem para amar. Ao abandonar os altares de ilusões inatingíveis que usamos, talvez inconscientemente, para justificar nossa intolerância à realidade do corpo e dos sentimentos, criamos espaço em nós para assumir a raiva, a tristeza, o medo, a ternura, o desejo, o amor. A riqueza das experiências que colorem a vida. E então o sentido do tocar e do ser tocado se transforma em compaixão verdadeira. Sentir junto." (Anabél Andrés)