7.7.18

Escrito em 07/07/2009, para o "Blog Amigos de Pelotas"


Crônica: Amo esta cidade


Ana Lúcia Bulcão Teixeira
Advogada e blogueira

Hoje, 07 de julho de 2009, Pelotas completa 197 anos. Moro aqui desde 1982. Em todos estes anos aconteceram tantas coisas que, se fosse contar, nem saberia por onde começar. O que sei é que só ultimamente descobri a cidade. Não me refiro aos prédios antigos, às ruas bem desenhadas, às praças, ao Laranjal, mas aos recantos menos óbvios, bairros menos movimentados, praias mais desconhecidas. Meu primeiro apartamento foi na Anchieta, pertinho do Capitólio. Foi deste ponto que decidi começar a conhecer a cidade, a pé, no primeiro inverno que passei aqui.

Todos os dias, depois do almoço, escolhia uma rua e ia caminhando, bem devagar, olhando os prédios com suas fachadas cheias de detalhes, as calçadas de ladrilhos hidráulicos, as pessoas apressadas, que pareciam não perceber toda a beleza ao seu redor, as vitrines... Lamento não existir câmera digital naquela época. Teria muitos registros!

Depois mudei para uma casa, ainda na Anchieta, pertinho da Catedral e do Colégio Gonzaga. Ali criei meus filhos e, através deles, minha interação com a cidade aumentou. Eles frequentavam a escolinha, íamos ao teatro Sete de Abril sempre que tinha alguma peça infantil, comprávamos livros na Mundial, lanchávamos no Centro... Tão bom passear pelas ruas próximas e sentar nos bancos do entorno da Catedral para tomar sol! Via a cidade através dos olhos deles, descobrindo tudo, com um prazer imenso!

O tempo foi passando, minha vida acontecendo, trabalhei, fiz muitos amigos, mudei para um bairro afastado do centro e tudo se foi modificando. Aprendi a ver a cidade com olhos maduros e sei o quanto foi bom ter vivido aqui todos estes anos.

É engraçado... Nunca fui boa com datas, números, estas coisas; então, fico perdida, tentando fazer uma retrospectiva de tudo o que aconteceu nesse tempo todo! Mas sou boa em lembranças, sentimentos, emoções e todas as experiências que vivi aqui me fizeram amar esta cidade e valorizar tudo de bom que ela tem.

Talvez por não ter nascido aqui, talvez pelo meu jeito de observar e sentir a cidade, sempre fico com a impressão de que ela não é valorizada como deveria, cuidada como merecia, tratada com carinho pelos próprios pelotenses.

Tudo tão antigo, tão sedimentado! Velhos hábitos, comportamentos que se repetem há décadas! E isso na política, nos meios culturais, no comércio, no cotidiano da cidade! Como se qualquer coisa que pudesse mudar o que já existe fosse ameaçador ou inadequado.

Acho que vou reler "Satolep", do Vitor Ramil, desta vez de trás pra frente, como inspira o título. Quando li, pela primeira vez, senti como se tudo, finalmente, fizesse sentido. Li devagar e não consegui fazer de outro jeito, apesar de querer devorar cada página. “Satolep” precisa ser lido assim, lentamente. Saboreando cada palavra, digerindo cada sensação... Este livro construiu, em mim, um passado que não vivi aqui.

Há pouco dei uma caminhada. Noite com neblina, mas com uma lua enorme espiando entre as nuvens. Gosto daqui. Amo esta cidade. Quero guardar cada paisagem, cada ângulo, cada detalhe. Acredito que é hora de olhar Pelotas com carinho. Retribuir tudo o que ela nos dá. Tanta beleza, tanta história, tantos talentos...

Respirei profundamente, enquanto sentia a umidade na minha pele, e agradeci o privilégio enorme que é morar aqui, pertencer a este lugar.

Blog de Ana.


14 comentários:

Anônimo disse...
Esse nome Bulcão.
A Florinda era linda; esta escreve bem e é linda.

Anônimo disse...
tu diz isso porque não moraste em nenhuma cidade melhor.

Roberto Soares disse...
Pelotas, 200 anos.
Gostaria de começar comentando que o frenesi em torno dessas 'datas redondas' nunca fez muito sentido para mim.
No dia de seu aniversário, Pelotas esteve como quase sempre: úmida e chuvosa, mas mais quente que o normal para esta época do ano.
Uma cidade, em si, quase não existe.
Existem as várias histórias das pessoas que nela vivem.
Aos 200 anos, no cotejo com outras cidades de mesmo porte no resto da Região Sul (RS, PR e SC - o único parâmetro racional de comparação, a meu ver), Pelotas ainda marca passo em vários aspectos: vida cultural, geração de empregos, limpeza pública etc. Não que não tenha melhorado - os governos, por mais que detratem uns aos outros, dificilmente pioram a situação do município.
Mas confesso que, apesar dos belos depoimentos de uns, ainda acho que a impressão pessoal reflete mais um momento da vida particular de quem comenta do que a realidade da cidade, afinal, a vida de um habitante da zona norte é diferente da de um habitante do Porto, que por sua vez difere do cotidiano de um morador do Laranjal, do Centro, do Sítio Floresta, do Pestano, do Fragata...
Colando todos esses retalhos temos a grande colcha chamada Pelotas.
O que me apraz na cidade é, entre outras coisas, essa diversidade.
Pelotas completa dois séculos com muitas perspectivas, mas é cada vez mais necessário que cada pessoa faça a sua parte na sua vida pessoal para que a coletividade mude como um todo.
Que se invista em gente capacitada daqui. Que seja abolido todo o clientelismo, corporativismo, nepotismo, imobilismo, continuismo e "todos esses 'ismos' que nos freiam o autêntico progresso".
Ando meio desesperançoso com essas esperanças depositadas na população.
Da política, então, não espero nada, que não sou bobo.
Só espero que esses cidadãos que dizem amar tanto Pelotas não fiquem apenas no belo discurso, e passem a de fato pensar (e agir) a cidade diferente.
Espero.
Mas, no fundo, sei que me iludo.
Acima de pelotenses, somos (quase) todos brasileiros, e, como Stefan Zweig involuntariamente preconizou em sua obra, o Brasil é o 'país do futuro', e a gente sabe que o 'futuro', via de regra, não chega nunca.
Vivemos num eterno presente.
Infelizmente, é isso que me traz o aniversário de Pelotas, essa cidade a um só tempo tão feia e tão bonita.

Anônimo disse...
Parabéns! Lindo texto. Transmite com perfeição o que um Pelotense pensa de sua cidade. Moro longe, mas meu coração nunca saiu de Pelotas.

Anônimo disse...
Entendo perfeitamente o que falas, eu também nasci e me criei na Anchieta perto do Cine Capitólio, e anos mais tarde criei filhos também na Anchieta perto do Gonzaga. Apesar de tudo gosto da Princesa.

guilherme disse...
Parabéns pois é muito dificil neste blog alguem fala bem de Pelotas. E o que eu acho mais interessante é todos tem horror da cidade, mas não saem daqui e tambem não ajudam em nada para melhorar...

Anônimo disse...
Experimenta morar em Buenos Aires.

Anônimo disse...
Que bom ler um texto escrito com o coração aberto e generoso! Também é bom saber que não temos só críticos e pessimistas que em nada contribuem pra melhorar a imagem da cidade. Já temos um país inteiro com idéias equivocadas sobre a cidade e seu povo. Pintaste a nossa aldeia com cores mais alegres e não menos verdadeiras, contrastes e sombras sempre existem, mas não vivemos só dos tons escuros!

gerson disse...
também não sou pelotense, mas morei bastante tempo na cidade e acabo tendo raízes aí. olhando de fora, parece q Pelotas tem um tempo próprio. As coisas andam de um modo peculiar, o atraso em algumas coisas talvez decorra do modo de encarar a vida e a evolução. A cidade parece não querer a frenética evolução do capitalismo. como moro em SC fico com essa impressão quando comparo Pelotas com cidades "nervosas", q se desenvolvem a olhos vistos, como Fpolis, Joinville, Blumenau, Criciúma, Tubarão e Jaraguá do Sul.
Mas se vou a Lages, mais parecida com nossa cultura campeira, vejo que o trem da história segue de forma mais melancólica. Talvez seja uma impressão falsa a minha, mas não sei se a nossa cultura dessa região do RS está preparada para esse "salto" capitalista. Rio Grande, p.ex., tem atividade econômica relevante mas o paradigma indústria ainda não enraizou a pretendida "modernidade". Basta comparar a cidade com outras, até de menor porte, cujo desenvolvimento econômico dá-se com uma evolução da polis em vários aspectos.
Quanto a Pelotas, com seu problemas e virtudes, ainda gosto do hábito de caminhar pelo centro e ver os amigos, dispensar o carro, ir tomar um café, reunir fácil uma turma para jogar futebol, dar uma passada na faculdade de direito,correr no laranjal, andar sob a neblina q toma as ruas, ir no jogo do xavante, etc,etc.

Anônimo disse...
Tive o privilégio de morar em Pelotas,tenho muita saudades. Faz mais de dez anos que não volto. Vejo que a maioria das pessoas que escrevem neste blog somente fazem críticas a cidade e seus moradores. Como era estudante com parcos recursos não frequentava a roda dos Pelotinos. Quem frequentou - no começo dos anos 90 -, os bares e os lugares que a gente chamava de "terceiro mundo", certamente tem muita saudade dessa terra. A boate do Direito, a baixada, a casa do estudante da Ufpel as passeatas contra Sarney, Collor, etc... são inesquecíveis. Também amo esta cidade.

Bennett disse...
Nasci em Pelotas.
Ganhei o mundo.

R.B

Anônimo disse...
Das 13:00h.
Buenos Aires tem argentinos o que a torna desinteressante.

Anônimo disse...
Quem critica é porque se importa. Quem ignora, deixa tudo como está. O crítico, no fundo, ama sua cidade e quer melhorá-la. O condescendente quer só tirar proveito para si.

Anônimo disse...
Parabenizo a colunista pela beleza de artigo. Em determinada oportunidade ao buscar imagens na NET deparei-me com o blog de Ana e fiquei leitor assíduo e admirador constante. Parabéns!

Meus agradecimentos:

Anônimo do dia 7 de Julho de 2009 21:27
A minha filha perguntou quem é Florinda Bulcão! Acho que as novas gerações desconhecem esta bela atriz!
Somos da mesma família, sim...
Obrigada pelos elogios!

Anônimo do dia 7 de Julho de 2009 22:15
Sou de Lavras do Sul! Sei o que é morar na melhor cidade que existe!
Tá... Brincadeirinha... Mas uma coisa não invalidaria a outra, não é? Mesmo que tivesse morado, Pelotas não deixaria de ser o que é...

Roberto Soares!
Teu belo comentário virou post!
Que bom! Muitas pessoas terão oportunidade de conhecer teu ponto de vista!

Anônimo do dia 8 de Julho de 2009 01:23
Obrigada! O nosso coração deveria ser sempre nosso ímã, nosso Norte!

Anônimo do dia 8 de Julho de 2009 06:41
Que coincidência! Sabe lá quantas vezes nos cruzamos... Coisas de Pelotas, memórias compartilhadas...

Guilherme!
Obrigada! Imagino que as pessoas reclamem porque se sentem frustradas, de alguma forma, em suas expectativas... Que bom ter um espaço para exercitarem sua indignação!

Anônimo do dia 8 de Julho de 2009 13:00
Pois é... Temos muito o que aprender com Buenos Aires! Valorizar a nossa história, preservar o patrimônio arquitetônico, revitalizar o Porto, o Mercado, tratar bem os turistas...

Anônimo do dia 8 de Julho de 2009 14:14
Fico absolutamente agradecida pelo teu comentário! Acho que ver o lado bom das coisas é um belo exercício e me empenho nisso! Recomendo aos pessimistas de plantão!

Gerson!
Concordo contigo!
Tem um charme neste ritmo, nesta melancolia, nestes hábitos...

Anônimo do dia 8 de Julho de 2009 22:34
Devo dizer que não frequentei as "rodas dos pelotinos" tampouco a boate do Direito, a baixada e tudo mais... Quando vim morar aqui já tinha me formado, minha rotina era outra. Mas tudo faz parte, não é? Bom relembrar!

Bennett
O mundo é aqui. Ou em qualquer lugar que vc queira. O bom é poder escolher!

Anônimo do dia 9 de Julho de 2009 09:04
Dizer o quê? (Além de que me diverti, lendo teu comentário?)

Anônimo do dia 9 de Julho de 2009 10:11
Verdade! Só quem se importa faz crítica construtiva. O resto não vale à pena mencionar.

Anônimo do dia 9 de Julho de 2009 21:26
Fico muito curiosa quando alguém diz que acompanha o Roccana! Quero saber quem é, o que pensa, o que acha...
De qualquer maneira, muito bom saber disso! Obrigada!!

Aproveito para agradecer, também, aos emails e as visitas ao meu blog!
Obrigada, Rubens, pela oportunidade!

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