Crônica: Amo esta cidade
Ana Lúcia Bulcão Teixeira
Advogada e blogueira
Hoje, 07 de julho de 2009, Pelotas completa 197 anos. Moro aqui desde 1982. Em todos estes anos aconteceram tantas coisas que, se fosse contar, nem saberia por onde começar. O que sei é que só ultimamente descobri a cidade. Não me refiro aos prédios antigos, às ruas bem desenhadas, às praças, ao Laranjal, mas aos recantos menos óbvios, bairros menos movimentados, praias mais desconhecidas. Meu primeiro apartamento foi na Anchieta, pertinho do Capitólio. Foi deste ponto que decidi começar a conhecer a cidade, a pé, no primeiro inverno que passei aqui.
Todos os dias, depois do almoço, escolhia uma rua e ia caminhando, bem devagar, olhando os prédios com suas fachadas cheias de detalhes, as calçadas de ladrilhos hidráulicos, as pessoas apressadas, que pareciam não perceber toda a beleza ao seu redor, as vitrines... Lamento não existir câmera digital naquela época. Teria muitos registros!
Depois mudei para uma casa, ainda na Anchieta, pertinho da Catedral e do Colégio Gonzaga. Ali criei meus filhos e, através deles, minha interação com a cidade aumentou. Eles frequentavam a escolinha, íamos ao teatro Sete de Abril sempre que tinha alguma peça infantil, comprávamos livros na Mundial, lanchávamos no Centro... Tão bom passear pelas ruas próximas e sentar nos bancos do entorno da Catedral para tomar sol! Via a cidade através dos olhos deles, descobrindo tudo, com um prazer imenso!
O tempo foi passando, minha vida acontecendo, trabalhei, fiz muitos amigos, mudei para um bairro afastado do centro e tudo se foi modificando. Aprendi a ver a cidade com olhos maduros e sei o quanto foi bom ter vivido aqui todos estes anos.
É engraçado... Nunca fui boa com datas, números, estas coisas; então, fico perdida, tentando fazer uma retrospectiva de tudo o que aconteceu nesse tempo todo! Mas sou boa em lembranças, sentimentos, emoções e todas as experiências que vivi aqui me fizeram amar esta cidade e valorizar tudo de bom que ela tem.
Talvez por não ter nascido aqui, talvez pelo meu jeito de observar e sentir a cidade, sempre fico com a impressão de que ela não é valorizada como deveria, cuidada como merecia, tratada com carinho pelos próprios pelotenses.
Tudo tão antigo, tão sedimentado! Velhos hábitos, comportamentos que se repetem há décadas! E isso na política, nos meios culturais, no comércio, no cotidiano da cidade! Como se qualquer coisa que pudesse mudar o que já existe fosse ameaçador ou inadequado.
Acho que vou reler "Satolep", do Vitor Ramil, desta vez de trás pra frente, como inspira o título. Quando li, pela primeira vez, senti como se tudo, finalmente, fizesse sentido. Li devagar e não consegui fazer de outro jeito, apesar de querer devorar cada página. “Satolep” precisa ser lido assim, lentamente. Saboreando cada palavra, digerindo cada sensação... Este livro construiu, em mim, um passado que não vivi aqui.
Há pouco dei uma caminhada. Noite com neblina, mas com uma lua enorme espiando entre as nuvens. Gosto daqui. Amo esta cidade. Quero guardar cada paisagem, cada ângulo, cada detalhe. Acredito que é hora de olhar Pelotas com carinho. Retribuir tudo o que ela nos dá. Tanta beleza, tanta história, tantos talentos...
Respirei profundamente, enquanto sentia a umidade na minha pele, e agradeci o privilégio enorme que é morar aqui, pertencer a este lugar.
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