"Ninguém sabe o que um vinho tinto, uma música de Haendel, e uma orquídea amarela podem fazer por uma alma errante. Podem provocar um cataclisma, um maremoto, mas ao mesmo tempo podem inspirar versos largos, tão puros, tão cabernet sauvignon, tão rosso, tão tinto! Eu não entendo nada de vinho. Não sei o buquê, a safra, mas conheço o que um vinho tinto pode fazer no inverno dos nossos corações, mesmo em pleno verão. Enquanto ouço o minueto de Haendel penso que o vinho é uma companhia e me deparo com a orquídea amarela, presente de aniversário de alguém muito especial. Não sei porque, mas a magia do vinho com a música de Haendel, misturada com a orquídea amarela, entorpecem-me os sentidos, embriagam-me de emoção. Será que eu estou tonta?
Sim, há uma embriaguez dos sentidos, um eterno pacto com a loucura, com o insano, com o que não pode ser visto nem explicado. Com o indecifrável. Há uma boca suja de vinho tinto procurando outra boca, há um beijo rubro na taça de cristal buscando outra taça. Há o ranger dos dentes manchados de vinho tinto, de pura fantasia. Há um vulcão tingindo as emoções, com labaredas de música clássica, com a beleza de uma orquídea. Há um turbilhão dentro de mim! Que mãe é essa que degusta o vinho com o sabor da última esperança? Que mãe é essa que se desespera diante de uma orquídea, que anseia pela beleza da vida? Que mãe é essa que se embriaga de esperança todas as noites, que dorme ao som de Handel? Ai, mães do mundo, que mistério tem numa taça de vinho tinto que transborda ao som da vida, do vermelho do parto, da cruz dos braços que gemem amor, que suplicam por misericórdia? Que mulher é essa que tem uma dor incurável, insana, vermelha. Cor da paixão, do derrame, do vinho tinto? Eu sou a mãe das tempestades, dos relâmpagos, dos trovões. Mãe da inquietação, do porvir, do que nunca está pronto, do que virá. Sem forma, sem endereço, sem espaço – ilimitada. A minha alma voa por terras distantes. É uma alma andarilha. Que poder tem uma taça de cristal, cheia de vinho tinto?
O poder da chama, do fogo, do paraíso, da criação. Não, não sou normal nem nunca serei nesse porto da desesperança. Não quero mais nem menos. Não preciso de nada. Tudo está no seu devido lugar. Só não perguntei ao meu filho o que ela acha de uma mãe embriagada de vinho. Que o meu filho me perdoe, de ter uma mãe que precisa de vinho, de música, de poesia e de flor para viver.
Que o meu filho me desculpe de estar tão embriagada e tão lúcida para formar palavras incompreensíveis, mas tão claras, tão transparentes, tão óbvias, tão eternas… O que fazer com a mulher imperfeita, que clama por justiça, que se banha na erva daninha da poesia e da música clássica? O que pode alguém fazer com essa mulher antítese, contrária às correntes, avessa a certezas, a ordens estabelecidas? O que posso fazer assim tão vacilante, trôpega, desdobrada, com o peito aberto, temperado com vinho, música clássica e orquídea?
Ah, me desculpem, mas estou no fundo da taça de cristal. Sou uma espécie de borra, uma mancha na toalha branca. Sou tinta vermelha. Sou uva, melodia. Sou o fundo da garrafa, o resto da borbulha, espumante, verdadeira. Sou mãe dos vendavais, das tempestades, do amor infinito, que se completa na incerteza, no que não está programado, no que não tem receita. Nem contra-indicação. Eu sou a mãe do confronto. Não posso apenas ser mãe, porque o vinho me leva para longe deste planeta. Viro poeira galáctica. De lá, grito ao vento, desenho nas estrelas e escrevo nas nuvens: “Salvem essa mulher de si mesma.”
Trouxe da página da Pía Mendoza, no Facebook.
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