Morar em Lavras me faz conviver de perto com a doença da minha mãe.
É muito difícil. Incompreensível, até.
Clarice Lispector, em "Restos de Carnaval", descreve como é difícil conviver com a tristeza materna...
“Muitas coisas que me aconteceram tão piores que estas, eu já perdoei. No entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é irracional? É impiedoso. Quando eu estava vestida de papel crepom todo armado, ainda com os cabelos enrolados e ainda sem batom e ruge - minha mãe de súbito piorou muito de saúde, um alvoroço repentino se criou em casa e mandaram-me comprar depressa um remédio na farmácia. Fui correndo vestida de rosa - mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil - fui correndo, correndo, perplexa, atônita, entre serpentinas, confetes e gritos de carnaval. A alegria dos outros me espantava.Quando horas depois a atmosfera em casa acalmou-se, minha irmã me penteou e pintou-me. Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas histórias que eu havia lido sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.”
Depois de muito sofrimento, muita culpa, muita terapia, talvez seja possível, ao menos, compreender que algumas coisas simplesmente independem de nós. Não temos o controle, não somos responsáveis, não temos muito o que fazer...
E resta a certeza de não precisamos e não devemos repetir.
É possível encontrar alegria nas coisas do cotidiano. Na simplicidade. No que está ao alcance de nossas mãos. O que mais vier, é lucro.
Sou muito grata por tudo de bom que vivi e por tudo que ainda está por vir. Me sinto de alma leve, "em paz com a vida e o que ela me dá"...
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