25.8.13

Entrevista com Ivan Martins

Ele deu uma maravilhosa entrevista para o Caderno Donna, da Zero Hora.
Quem ler com atenção, ao invés de simplesmente passar os olhos, certamente vai entender um pouco mais o misterioso mundo dos relacionamentos, onde projetamos tantos sonhos e agimos de forma tão atrapalhada, na maioria das vezes.


Donna - É impossível ser feliz sozinho?
Ivan - Eu diria que sim, mas sou notoriamente carente. Sem amor fico perdido. Sem uma relação referencial eu exaspero. Muitos são como eu, mas parece haver gente que vive sozinha numa boa. Mulheres, sobretudo, que são almas mais completas. Elas se fazem companhia melhor do que os homens. Também lidam melhor com a realidade: em vez de arrumar uma companhia meia boca, compram um cachorro. Dito isso, há certa tristeza por aí de gente bacana que não tem parceiro ou parceira, embora gostasse de ter. Isso é uma droga. Além de tentar arrumar donos para gatos e cachorros perdidos, os ativistas deveriam ajudar seus amigos e amigas a arrumar companhia. Essa é uma necessidade real.

Donna - A que você credita esse seu sucesso junto ao público feminino?
Ivan - Talvez eu seja um homem que escreve com um olhar feminino. Não sei como explicar melhor. O mundo está mudando rapidamente, o ponto de vista feminino está ficando mais importante, e talvez eu consiga captar essa mudança nas coisas que eu escrevo – sem me distanciar, inteiramente, do ponto de vista masculino tradicional. As mulheres que me leem talvez achem no meu texto um ponto intermediário nas relações entre homem e mulher – um ponto que fica entre as relações como elas costumavam ser e aquilo em que elas estão se transformando.

Donna - Homens também gostam de discutir a relação?
Ivan - Depende. Se for para discutir de um jeito leve, sem faca no peito, muitos homens gostam. Eles também sabem falar de amor e sentimentos, curtem discutir as diferentes visões de intimidade. A conversa que os homens em geral repelem é a da cobrança sentimental: quando nós vamos namorar/morar juntos/ casar/ter filhos? Você me ama ou não me ama? Quando o sujeito se sente acuado, pula fora da conversa. Há entre algumas mulheres a ilusão de que é possível levar um homem racionalmente a tomar decisões que são inteiramente emocionais. Talvez esteja aí a raiz da DRs frustradas.

Donna - Você diria que está faltando sinceridade na hora de falar sobre relacionamento e vem daí esse sucesso tão grande da sua coluna? De alguma maneira as pessoas se sentem bem interpretadas pelas suas crônicas? Por quê?
Ivan - Não acho que falte sinceridade. Talvez falte um pouco de experiência na vida de todo mundo. Para escrever a coluna eu tive de viver mais de 50 anos, nem sempre de uma forma feliz. Meus textos refletem essa vivência, assim como as leituras e as observações. Além do mais, na vida real as pessoas muitas vezes não têm tempo ou cabeça para refletir sobre aquilo que está acontecendo com elas, no calor da hora. Então vem esse sujeito, senta-se demoradamente diante do computador, e consegue fazer algumas reflexões com as quais as pessoas se identificam, porque têm a ver com o momento delas. É uma questão de sorte que seja assim. Eu poderia escrever coisas brilhantes que não tocassem as pessoas. Ainda bem que tocam.

Donna - O Facebook apresenta um mar de vidas e relacionamentos maravilhosos. Todo mundo é feliz e se ama profundamente. Por que as pessoas têm tanta necessidade de expor tanto esse lado da moeda?
Ivan - Boa pergunta. Eu a faço toda vez que estou subindo uma foto no Facebook – por quê? Acho que as redes sociais nos transformaram em microcelebridades. Todos nós temos audiência, público, leitores. Multidões de 10 pessoas ou 10 mil pessoas nos seguem – e nós temos de alimentá-las com coisas interessantes. Nem sempre são coisas boas, veja bem. Estou cansado de ler no Facebook detalhes terríveis sobre a saúde ou a vida privada de pessoas que eu vi uma vez na vida, mas que elas fazem questão de dividir. Não entendo esse fenômeno, mas acredito que ele tenha a ver com uma nova forma de entender a privacidade e a identidade social: posto logo existo.

Donna - Qual você diria que é a grande sacada de um casal em uma relação?
Ivan - Manter vivo o interesse carnal e intelectual. Quando a gente se apaixona, tudo no outro nos interessa: o corpo, as ideias, o passado, o presente, tudo. Com o tempo, esse interesse se esgota em todas as frentes, e os casais desabam na mais tediosa rotina. A grande sacada é evitar isso. Como? Não sei, mas suspeito que tenha a ver com criar limites – se eu preservar a minha individualidade, se ela puder crescer de forma independente da sua, talvez exista uma chance de que nós dois continuemos a nos interessar um pelo outro. Pelo corpo, pelas ideias e pelo caráter do outro.

Donna - Onde as mulheres pecam e onde os homens pecam na vida a dois? 
Ivan - As mulheres tentam transformar os homens em filhos, controlá-los, domesticá-los. Isso acontece com muitos casais, até durante o namoro. Em poucos anos, de tanto levar broncas, o cara só falta chamar a mulher de mãe – e o desejo vai para o ralo. Enquanto isso, os homens tendem a fugir do desgaste da relação virando as costas para ela. Trocam a mulher pelo trabalho, pelas aventuras, pelo convívio com os amigos. Eles abandonam o espaço da intimidade. Existe família, mas não existe casal. Acho que os dois erros são perfeitamente evitáveis.

Donna - Por que há tantas separações hoje em dia? As pessoas estão menos tolerantes umas com as outras? Desistem facilmente da relação?
Ivan - Acho que a culpa é das mulheres, no bom sentido. Antes elas tinham que aturar. Agora, podem cair fora quando acham que devem – ou botar para fora o impiastro. Como os homens são acomodados e quase sempre vão ficando, cabe às mulheres a responsabilidade moral de acabar com aquilo que está ruim. Isso eu considero uma evolução. Outra evolução que explica tantos rompimentos é o desejo de felicidade. Ele aumentou muito. As pessoas estão decididas a levar vidas cheias de amor, sexo e realizações. Quando isso não se materializa, elas se frustram. Talvez estejamos esperando demais da existência, mas quem vai nos dizer para nos conformarmos com menos?

Donna - A culpa é sempre do outro? 
Ivan - Claro, mas se fomos nós que escolhemos o outro, a quem culpar?

Donna - Como você definiria uma mulher especial? O que ela tem? Como ela é? O que ela fala ou diz? 
Ivan - Uma mulher especial provavelmente não é especial para todo mundo. Ela é especial para mim. Me encanta, me enternece, faz com que eu deseje não apenas o corpo, mas a alma dela. Mesmo se for espevitada, rodada, vivida, a mulher especial mantém um recato que eu consigo identificar. Há nela uma timidez secreta que se revela comigo. Ela me faz sentir especial e único, e talvez seja esse o seu segredo. Com ela me sinto inteiro, relaxado, sem freios. As máscaras caíram lá atrás. Quando estamos nus, nenhuma camada de artificialidade nos recobre. Ela diz eu te amo, e eu sorrio feliz.

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