"O famoso Obelisco do Areal, coluna de oito metros de altura, foi inaugurado em 1885, quando se comemorava o cinqüentenário da Revolução Farroupilha e faltavam ainda quatro anos para a proclamação da República brasileira.
Homenagem à memória do cidadão mineiro, pelotense de coração, Domingos José de Almeida, é um dos pioneirismos de Pelotas, somando-se a tantos outros que enchem de orgulho a vida da cidade.
Pois este fato nenhum historiador contesta: o Obelisco é o único monumento público erguido em terras brasileiras, na vigência da Monarquia, ao ideal republicano.
Por que no Areal? Porque a charqueada de Domingos José de Almeida, cuja sede ficava para lá da conhecida Rua das Traíras, de fato no início da atual avenida Adolfo Fetter, abrangia uma parte dos campos do Areal, inclusive o terreno onde se cravou, há quase 120 anos, o Obelisco.
A homenagem dos republicanos, à cuja frente se achava o moço Álvaro Chaves, que tinha então 19 anos de idade e morreria pouco depois, bem no início da República, não traz qualquer ligação com as origens da cidade. Visava-se reconhecer a obra grandiosa e a personalidade ímpar do notável mineiro, que foi o "cérebro" da Revolução Farroupilha, sendo o idealizador da República Rio-Grandense, em 1836, e nela ocupando não só a Vice-Presidência como dois ministérios.
Diz-se que ele, embora autodidata, redigiu sozinho a constituição dos farrapos. Mas, é claro, com a homenagem procurava-se também provocar o imperador e as instituições do Império.Só mais uma observação sobre o tema: a inscrição no bronze é primorosa, e diz assim: "Os republicanos de Pelotas recomendam ao viandante a memória de Domingos José de Almeida." E todos sabem que uma sugestão em bronze, ainda mais quando bem redigida, é uma sugestão eterna.
A avenida principal do bairro igualmente homenageia Domingos de Almeida - mas isto é público e notório. No seu trajeto fica, por exemplo, a antiga Chácara da Baronesa, que é um dos grandes monumentos históricos, arquitetônicos e artísticos de Pelotas, hoje uma das poucas áreas de lazer com que conta a cidade. E que vai ensinando, a quem desfruta do seu parque, da sua praça, das suas árvores, a qualidade de vida dos barões pelotenses (Pelotas teve 17, e a chácara da Baronesa, sede da antiga charqueada de Joaquim Manuel Teixeira - chamada, por isso, de Sotéia do Joaquim Manuel, coisa que, isso sim, poucos sabem - foi propriedade de um deles, representante da ilustríssima família Maciel).
No Areal também ficam o Hospital Espírita, o Dunas Clube (igualmente ex-sede de uma charqueada) e o Instituto de Menores, os dois primeiros na frente e o último bem ao lado da casa de onde escrevo.
Sobre esta casa, aliás, nada tenho a declarar, a não ser, no fim do exercício, ao imposto de renda. Mas aqui vai um detalhe muito pequeno e íntimo, que, eu sei, nem mesmo ao fisco interessa: nesta casa me pego freqüentemente feliz; chego a pensar, às vezes, que os melhores sonhos que até agora sonhei não passavam de meros pesadelos; que sonhar se sonha em qualquer recanto de esquina, em qualquer bairro, em qualquer cidade; mas que na avenida Domingos de Almeida não é fácil sonhar, porque a realidade, quando a gente acorda, faz ciúme aos sonhos.
Andei sabendo - como o historiador é curioso e chato! - que no Areal existiu, no século 19, um pequeno teatro, um dos poucos, aliás, que a cidade possuiu, na época, além do Sete de Abril (talvez, além desse de que falo, só o teatrinho Dante, que pertencia à colônia italiana e que ficava na rua Quinze). Pois no teatro do Areal encenaram-se peças maravilhosas, inclusive - afirma-se - uma produção inédita de Lobo da Costa. O poeta (substantivo que, no seu caso, é sempre precedido do adjetivo "mavioso") morreu embriagado numa sarjeta da zona leste do centro da cidade. No Areal há de ter tomado grandes porres, mas felizmente aqui sobreviveu a todas as ressacas...
Havia, faz pouco tempo, um supermercado no prédio do antigo Cine Esmeralda, entre a minha casa e a da Baronesa. Talvez alguma senhora mais saudosa ainda supusesse escutar, ao conduzir o seu carrinho de compras, uma declaração de amor do Rodolfo Valentino; quem sabe um cidadão mais provecto, ao retirar da niqueleira seus diminutos centavos de real, não julgasse estar pagando, na caixa, por um sublime olhar da Greta Garbo! Talvez não suceda mais isso, porque ali, hoje, funciona a sede de uma igreja, onde não fica bem, é claro, se deixar enlevar por tais prazeres terrenos.
Em todo o caso, seria muito triste admitir que os pelotenses não sabem, ou já não se lembram, que em cada um dos seus bairros havia um cinema: além do Esmeralda no Areal, o São Rafael no Fragata e o Garibaldi na Várzea.
Pelotas é uma cidade pequena, ou de porte médio. Mas no passado a cultura se espalhava, como o oceano em torno de uma ilha, por todos os seus bairros."
Escrito por Mário Osório Magalhães, historiador pelotense, morador na Av. Domingos de Almeida e publicado no Diário Popular em 01/09/02.
Leia também o site da ONG Viva o Charque. Apesar de desatualizado tem algumas informações interessantes sobre o ciclo do charque em Pelotas.
2 comentários:
Fico pensando em quantas histórias, quanto de memórias do passado há em todas essas cidades desse nosso Brasilzão, todas só conhecidas de seus próprios habitantes e as vezes nem deles. Dá um orgulho saber dessas histórias, ainda que sejam romanceadas. Dá orgulho olhar para a história que antecedeu a gente, que, na verdade, trouxe cada um de nós para o lugar exato onde está, no tempo e no espaço, feito uma corrente, um caminho. Muito lindo, pelotense, brasileira, muito lindo.
olá?!me chamo Juliano estava eu pesquizando no google,histórias, texto, partes de livros que falacem um pouco da história de Domingos José de Almeida.Danço num CTG que leva o nome dele e queria saber sobre ele, quem foi e tudo mais, daí me deparei com o texto que encontrei no seu blog, gostei muito e queria saber se você não tem nada que fale sobre Domingos J. de Almeida,sua vida,história, se hoje ainda existe decendentes dele,etc> E se poderia me enviar algo?
e-mail: julianomad@gmail.com
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