"Faça uma conta rápida. Provavelmente, você deve ter entrado na escola aos 5 ou 6 anos de idade, um pouco mais, um pouco menos. Foi então que começou a corrida maluca dos números.
Durante cerca de 11 anos, esteve imerso em muitas aulas, um aprendizado sem fim – afinal, não havia escolha. Depois, veio o cursinho, o vestibular, a faculdade. Pelo menos mais cinco anos de aulas. Em seguida, o estágio e finalmente o emprego, a profissão. Em outros casos, filhos e família. Ou tudo ao mesmo tempo.
E assim muitos anos se passaram, sua rotina se estabeleceu e consolidou a vida que você leva hoje.
Quantas vezes já bateu aquela sensação de estar anos e anos correndo sem saber exatamente para onde está indo? Parece que não deu tempo de esvaziar a mente – pelo contrário, ela só vem enchendo, enchendo, enchendo. Tem horas que parece quase transbordar.
É por isso que há momentos em que é preciso parar as máquinas. Afastar-se da rotina é um bom jeito de ver, de fato, o que está acontecendo em nossas vidas.
Esse tempo pode ser aproveitado para tocar antigos projetos pessoais ou até descobrir novos rumos – até porque muitas vezes eles nem estão tão claros assim. Se for o caso, você pode voltar e deixar tudo do jeitinho que estava – o que importa é que seu olhar dali por diante terá mudado.
Trocando em miúdos, isso quer dizer parar mesmo de trabalhar, estudar, cuidar da casa, das crianças. Enfim, interromper temporariamente a atividade principal. Não se trata de férias, é uma parada mesmo.Coisa de mais de um mês – podem ser meses ou anos, isso é você quem decide, dependendo do que pretende fazer com esse tempo.
Existe até um nome para isso: período sabático. O termo, ainda pouco conhecido, vem da palavra hebraica shabat e marca o dia de descanso semanal dos judeus.
Hoje, o conceito foi ampliado e significa dar uma parada em busca de qualidade de vida, mudança de hábitos e realização pessoal. " (Revista Vida Simples, jan/2006)
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Houve um momento na minha vida que eu sentia estar no limite. Nada mais fazia sentido, não encontrava mais prazer em nada. Fazia tudo por obrigação, desde levantar de manhã, tomar banho, sair para trabalhar, voltar para casa... As coisas do dia-a-dia, que adorava fazer, como cuidar da casa, mudar móveis de lugar, cuidar das plantas, pareciam inúteis e desnecessárias. Nos finais de semana, as horas se arrastavam. Não me sentia deprimida, não era isso. Só não me via levando a mesma vida nos próximos anos.
Quando completei quarenta anos tive a certeza que estava tudo errado e que eu precisava mudar. Não sabia o quê fazer, nem por onde começar, mas a vontade estava clara. Desde então, algumas coisas precipitaram minhas decisões. O banco que eu trabalhava foi vendido e o novo empregador cortou meu salário em 1/3, me transferiu para uma agência de difícil acesso e mudou minha função. Gota d'água: parei de trabalhar.
Logo em seguida minha mãe adoeceu gravemente e fiquei um ano inteiro envolvida com ela. Houve momentos de grande angústia e medo. Fiquei algumas semanas direto no hospital, cuidando dela como se cuida de uma criança. De ter que dar banho, levar ao banheiro, dar comida na boca e pegar no colo - literalmente.
No final do dia meu corpo doía, estava exausta.
Enquanto ela não conseguia dormir, nem com medicação pesada, eu também não podia, porque ela me chamava o tempo todo. E ela não me reconhecia, me chamava pelo nome de uma tia, irmã do meu pai, ou me chamava de "mamãe".
Aos poucos, começou a melhorar, veio para minha casa e continuei com todos os cuidados. Na medida em que ela voltava a ter consciência de quem era, entender onde estava, me reconhecer e a todos na minha casa, ela se percebia numa depressão profunda. Não me deixava sair de perto dela e pedia ajuda, sem parar. E se queixava, sem parar. Reclamava, sem parar. Falava, sem parar.
Achei que não iria aguentar. Perdia a paciência, sentia culpa, cansaço, desespero.
Neste momento, algumas pessoas, como anjos, estiveram muito próximas e me ajudaram a entender e suportar o que estava acontecendo.
Alguns meses depois ela foi para Lavras. O Pigue e o pai acharam que eu precisava de um tempo para descansar e eu fui passar uns dias em Florianópolis, com o Waguinho. (Contei sobre esta temporada alguns posts atrás.) Foi bom viajar, sair um pouco.
A calma foi voltando. Fiquei alguns dias sozinha, no apartamento de amigos do Waguinho, na beira da Lagoa. Ainda estava frio e eu passava horas lá, num pequeno deck de madeira, olhando para a água e respirando.
Na volta, constatei que minha mãe havia piorado. Em seguida ela voltou para o hospital, por intoxicação devido a excesso de medicação, que ela andou tomando, sem ninguém saber.
Desta vez ficou no hospital sem a minha companhia. Eu tinha voltado a trabalhar, num escritório de planos corporativos de telefones celulares. Tinha sido convidada por um antigo cliente do banco e estava começando a me adaptar quando tudo deu para trás e o lugar em que eu estava trabalhando fechou, por desavenças entre os donos do escritório.
Depois de 50 dias internada, minha mãe passou novo período em minha casa. Novamente o Pigue veio buscá-la e ela parecia, finalmente, que iria ficar bem.Ela, então, foi para as Cordilheiras, com meu irmão. Foram os últimos dias que passou com ele.
Não consigo falar sobre isto. Amanhã completa um ano que meu irmão morreu e não consigo falar sobre isto. Tanta tristeza parece que não vai ser suportável. Tantas perguntas, tanta dor, tanta falta do Pigue...
O Guga, sempre ficou na retaguarda, nestas situações de doença em que precisássemos sair de Lavras. Ele não nos acompanhava pelas suas dificuldades em viajar, sair de lá. Então, às vezes, eu sentia como se ele ficasse excluído, à parte, sozinho na sua espera pelo retorno da mãe, ou esperando notícias.
Era o Pigue quem fazia a ponte. Ele conseguia ser o ponto de convergência de todos nós. Era otimista, alegre, cheio de planos! Achava tudo fácil de resolver, descobria a solução, se dispunha a ajudar. Era disponível, amoroso, engraçado. Conseguia descontrair qualquer ambiente, aliviar qualquer tensão, rir até das coisas tristes.
O senso de humor e as situações que eu vivia com ele, eram muito nossos! E do Guga, também. Tínhamos um humor parecido, nós os três. Sempre gostamos de rir muito, falar muita bobagem e discutir sob qualquer pretexto. Às vezes brigávamos, de verdade, mas depois tudo passava.
Ainda não sei se entendi esta perda. Acho que ainda vai doer muito e que vou sentir muita falta dele, pelo resto da minha vida. Mas, de alguma forma, o Pigue ainda nos aproxima. E tem o Di e o Pedro. E tem a vida que nos impulsiona para frente, apesar de tudo.
No meio de tudo isto, no final do ano passado eu me separei, depois de 23 anos de casamento (somados a de 10 de namoro, com algumas interrupções!). Eu estava precisando me entender, me sentir, me bastar.
Estava com o Antonio desde meus 13 anos de idade e precisava me sentir "individual" e não, o tempo todo, um casal.
Me sentir uma pessoa. Uma mulher. Única. Independente. Livre.
Foi difícil, doloroso, mas necessário.
Muitas pessoas não entendem porque nos separamos, se continuamos nos querendo tão bem. Foi justamente por isso. Porque nos queremos bem e entendemos as razões de um e de outro. Mas, admito, também tenho tido dificuldades em me sentir uma mulher "separada" e tudo que isto possa significar. Na verdade a sensação de estar "livre" é muito mais íntima, pessoal e intransferível do que no estado civil. Isto é detalhe.
Comecei a falar em Período Sabático porque é assim que estou me vendo, nesse momento. Dando uma parada, revendo a minha vida. Fazendo um balanço destes últimos anos, vejo que assimilei muitas perdas, muitas tristezas, muitas dores.
Deixei para trás muitas ilusões românticas e me sinto, pela primeira vez, livre.
Não me sinto triste, não tenho medos, não tenho solidão, não tenho nem grandes dúvidas e nem nada objetivamente decidido.
Tenho experimentado uma grande paz e reecontrado prazer e alegria nas pequenas coisas. Desde acordar de manhã, tomar banho, cuidar das plantas e sentar aqui no computador e contar minhas coisas - ou falar sobre qualquer coisa, sem o menor critério!
Quando pirei - e parei -, nem conhecia este nome SABÁTICO! Foi uma coisa instintiva, mesmo, caótica, sem objetivo nenhum, sem ter conciência do que estava se passando e permeada de culpa e de certeza de estar abandonando o barco e fazendo tudo errado.
Claro que só posso me permitir a esta pausa, porque sou privilegiada. Tenho o Donairão que me apoia e me "paitrocina". Recebo este apoio com toda a minha gratidão, porque sei da generosidade dele e porque, neste momento, preciso deste apoio. E ele sabe disso.
E, como sempre, não me questiona, não me cobra e não me dá prazos - e está lá, tocando a vida, amparando a família inteira, trabalhando como nunca, sendo forte, dando exemplo de força e de superação. Minha mãe ainda está se tratando.
Meu irmão, Guga, tem se desdobrado, junto com meu pai. Ele está bem, vivendo um momento de grandes mudanças, de crescimento pessoal e de conquistas - merecidas, e isso me deixa extremamente feliz.
Meus filhos têm mantido o equilíbrio, no meio deste turbilhão que, com certeza, mudou a vida deles. A perda do tio, a doença da vó, a tristeza do vô, pais separados, eu não estar trabalhando, tudo também os afeta, mas eles tem sabido lidar com todos estes acontecimentos.
Se há exposição da minha vida, aqui no blog? Acho que não, porque tudo o que falei aqui todos que me conhecem já sabem. E quem me conhece sabe, também, que não sou muito dada à confidências nem costumo me queixar ou desabafar com ninguém.
Em geral, me resolvo bem sozinha. Mas me conforta demais saber que tenho amigos generosos, que têm estado perto de mim em todos estes momentos, simplesmente sem precisar dizer nada. Há momentos em que falar significa lavar a alma.
Há momentos em que ser entendida, sem ter que explicar nada, é uma dádiva.
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"Diferentemente das férias, o período sabático é motivado por uma necessidade de renovação, não de descanso puro e simples.
Ele requer um sonho, o projeto de uma nova experimentação. O fundamental é sair da rotina para rever os rumos e conseguir uma mudança interior, uma virada na vida.
Fora o aspecto financeiro, a decisão de tirar um sabático ainda depende de muita ousadia. É preciso desprender-se e encarar todos os estranhamentos que a atitude pode causar.
No livro A Essencial Arte de Parar, o psicoterapeuta americano David Kundtz diz que só fazendo essas paradas, mesmo que curtas, podemos ficar totalmente despertos e recordar quem somos. Kundtz diz que parar por um determinado tempo – não importa quanto – ajuda a entrar em contato com você mesmo: descobrir quem você é e o que quer da vida de verdade. E
sse tempo individual ajuda a seguir na direção desejada na hora em que é preciso tomar uma decisão ou executar uma tarefa.
Sem esse período de reflexão, acabamos sendo levados pelo turbilhão dos acontecimentos." (Revista Vida Simples, jan/2006)
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