Roccana

"O Inegável Desconforto"
Por Solange Maia

"Sinto vontade de escrever um livro chamado “POR TRÁS DO TEXTO”. 

Desconfio que essa vontade me habita porque há tempos ando flertando com a potência das palavras.

Elas podem ser braços estendidos. Ou curandeiras. Têm força de pertencimento. São confissões precisadas ao pé do ouvido. Companhia. Aconchego. São lições compartilhadas. Espelhos. Inspiração. Oxigênio.

Mas, ainda me falta um tico de coragem para dar voz ao que, delicadamente, camuflo nas entrelinhas da minha escrita.

Ainda hesito, repenso, retraio.

Não gosto de reler o que já escrevi.

Seguem sendo sensibilidades mudas. Fraturas expostas. Mosaicos de silêncio.

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Mas esses últimos dias têm me feito repensar meus esconderijos.

Por onde quer que eu vá, lá está a tal da inteligência artificial e o tão aclamado ChatGPT. Livros estão sendo escritos - e publicados - por meio dessa ferramenta. Uma tecnologia poderosa, sem dúvidas, mas pari uma escrita sem alma.

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Então, nunca foi tão urgente a humanização da escrita.

É preciso tirar o véu.

São esses labirintos secretos que existem por trás dos textos que os validam. São as pessoas que nos emprestam suas histórias, as histórias que nos arranham a pele, a pele que transpira molhando as páginas, as páginas que nos roubam o fôlego, o fôlego que nos falta, a falta que nos funde, a fusão que derrete as fronteiras, as fronteiras que vertem vida e a vida que nos salva.

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Carecemos dessas verdades que habitam as sombras das palavras.

Saber que não se trata só dos palcos.

Existem coxias, pinceis sujos de maquiagem e um, ou outro, canhão de luz sem funcionar.

Precisamos das escritas que sangram, das vírgulas esquecidas e dos erros de concordância.

São esses invisíveis que nos legitimam.

São os erros.

Sinto muito, mas escrever é um ato que precisa ser humano.

E tudo que é humano precisa ser impreciso.

Rigorosamente impreciso."

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Imagem Pinterest